sexta-feira, 30 de julho de 2010

No guichê da rodoviária

- Boa noite, Senhora. A que horas parte o próximo ônibus?

- Boa noite. Depende. Pra onde você pretende viajar?

- Viajar? Não, senhora, não vou viajar.

- Não entendi, rapaz.

- Não sou eu quem vai pegar o ônibus. Só vim mesmo comprar a passagem.

- Tá legal. Mas pra onde seria?

- O que a senhora sugere?

- Como?

- Diz ai um lugar legal. Vou confiar no sua indicação.

- Mas a passagem nem é pra você.

- E daí?

- Olha, rapaz, tem mais gente na fila. Decida-se primeiro depois volte.

- Tá bom, senhora. Vou no guichê de outra empresa. Lá alguém vai me sugerir um destino.

- Rapaz, espere.

- Pois não.

- Eu tenho uma sugestão.

- Estou ansioso. Diga.

- Tem um ônibus partindo em cinco minutos para São Thomé das Letras.

- A senhora é brilhante. Muito obrigado.

O rapaz saiu contente com a passagem nas mãos. Se afastando ouviu de longe novamente a voz rouca da senhora do guichê rodoviário.

- Rapaz! Moço! O senhor não me disse para quem é a passagem.


Ele entrou no ônibus e partiu.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

E que a vida recomece

Eu nunca tive lá grandes sonhos. Isso não significa que eu sonhe pequeno, não é isso. Meus projetos de futuro sempre foram racionalmente construídos, assim, sem grandes emoções. Sempre prezei muito pela estabilidade em vários aspectos da vida. Às vezes acho que protejo demais o que é permanente, pronto. Uma grande cagada que eu faço. Não sei. Pareço limitar as possibilidades. Talvez isso.

Uma amiga me disse um dia que troca grandes paixões pela estabilidade, pelo conforto. Sei lá. Ao mesmo tempo em que me identifiquei com esse discurso também senti um pouco de raiva dele. Não entendo a dicotomia entre grandes paixões e estabilidade. Talvez tenha a ver com a intensidade com que se vive as coisas. Não sei bem. Vivo - ou ao menos vivia - meus projetos estáveis com razoável intensidade. Atiro-me de braços abertos, quase sem noção dos riscos. Eu forjo a aventura. Mas as grandes paixões, por sua vez, essas eu sempre evitei viver. De braços abertos ou fechados. Pelo menos até aqui.

Nunca esperei nada avassalador acontecer. Nada que me tirasse muito do sério, me deixasse desconcertado. Pelo menos eu pensava que não gostava. Fiquei confuso agora, não sei mais se escrevo no pretérito ou no presente. Não esperei ou não espero? Que me deixasse ou que me deixa? Acho que quando a gente reconstrói nosso olhar sobre o mundo, a gente não distingue a diferença entre o que vive e o que viveu. Não falo só de amor. Tudo é um tremendo risco. Tudo é uma baita dúvida. Um novo paradigma que se apresenta. É coisa boa. Doce. Sadia.

Voltei a trabalhar. Lá se foram minhas férias, perdidas em uma madrugada fria de Santos ou em uma curva de estradinha mineira. Menos tempo livre para o blogue e, portanto, para mim. Deixo esse segundo semestre mais a vontade, sem grandes planos, grandes sonhos, à deriva. Deixo esse restinho de ano para as grandes emoções, as incalculáveis, as imprevistas. A dor que pode ser grande e, por incrível que pareça, o amor que pode ser suave, destruidor, mas ainda assim, suave. E que a vida recomece. Que finalmente recomece.

domingo, 25 de julho de 2010

A Lua de Minas Gerais

Eu fui rodar em Minas Gerais essa semana. Coisa de quem procura encontrar um destino pra vida, ou só procura farra mesmo. Ainda não sei o que estava procurando, mas encontrei. É interessante notar que somos diferentes longe de casa, somos uma pessoa em cada lugar. É como se recebêssemos influência do meio, como se o espaço interferisse na constituição da personalidade, ainda que de forma passageira. Estou viajando, eu sei.

Eu vi o pôr-do-sol mais bonito, depois falo dele. O que mexeu comigo mesmo foi ver a Lua de uma forma nova. Aliás, a Lua que fascina tanta gente por aí, pra mim nunca significou lá grande coisa. Sempre gostei mais das estrelas que dela, as estrelas brilham por si só, não precisam de ninguém. Senti isso especialmente depois de aprender na escola sobre a visita do homem a Lua. Ora, como não se encontrou nada por lá? Como não se pretende voltar? E aquele desenho? Cadê o coelho? Cadê São Jorge? Vocês acabaram com a magia, malditos americanos. Astro de merda, pensava eu. 

Pensava eu até observar a Lua sobre uma pedra bem alta, em uma cidade mais alta ainda. Uma cidade linda de tão calma. A Lua estava quase cheia e a cidade quase vazia. O silêncio ajudou um pouco. A escuridão da noite se transformara em um luar prateado. As coisas estavam prateadas, a igreja, as ladeiras de pedra, as pessoas caminhando. Lembrei que não precisava, pelo menos ali, pensar na vida que vivo aqui. Deitei sobre a pedra. Senti o frio sob minha cabeça e minhas costas. A pedra na verdade era uma pequena  e úmida gruta. Pensei na capacidade da Lua de iluminar a noite de forma tão delicada. A Lua não é tão atroz como o Sol em dia de verão. Ela é sutil, ilumina só o necessário. Embeleza a noite apenas quando está a fim, sem a obrigação de ser fundamental a alguém, aquecer e dar vida a tudo. A Lua não tem compromisso, é solta. Acho que foi por isso que, por um minuto na pedra, eu amei tanto a Lua. Ela me mostrou como vivia assim, tão leve e sozinha. Ultimamente tenho gostado mais de quem vive a leveza, o descompromisso. Eu não quero a Lua pra mim, quero que ela apareça quando tiver vontade. Ela é bem livre, só se mostra quando quer, só é bonita quando quer, só ilumina quando quer, só me inspira quando quer. Tudo isso sem fazer força.

Ainda deitado sobre a pedra gelada, me lembrei de uma música que minha mãe cantava pra mim quando era criança. Música linda. Ela cantava quando estávamos no carro, viajando a noite. Mas isso foi antes da minha desilusão na aula de Ciências. Eu dizia: “Olha que lua bonita, mãe!” E ela cantava comigo: Lua bonita se tu não fosses casada / Preparava uma escada / Pra ir no céu te beijar / Se tu colasse teu frio ao meu calor / Eu pediria ao nosso senhor / Para contigo casar / Lua bonita me traz aborrecimento / Ver São Jorge num jumento / Pisando no teu clarão / Por que casaste com um homem tão sisudo / Que come dorme faz tudo / Dentro do teu coração.

Cantei deitado mesmo. Quem estava por perto ouvia com certa atenção. Não sei se gostaram, canto mal pra caramba. Mas penso que acharam apropriado. A Lua estava realmente bonita, iluminando a noite. Testemunhava o sentimento mais bonito sobre aquela gruta úmida. A Lua convencia a todos ali de que vale a pena. O que vale a pena? Isso ela não disse. Ela é assim – acho que como eu – conta tudo pela metade.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Solidão, a casa é sua

Tom Zé é gênio. Todos nós somos minhocas perto dele. Não conheço ninguém que aproxima loucura e genialidade como esse baiano. Acho que ouvi Tom Zé pela primeira vez apresentado pelo meu irmão, há (talvez) dez anos atrás. Se não me engano o cd era Com Defeito de Fabricação. Sensacional. Depois o vi na televisão, com toda aquela simplicidade quase estúpida, quase insana. Queimava uma nota de um dólar e despedaçava sua roupa enquanto cantava O Gene. Tom Zé é simples e sofisticado, louco e lúcido, às vezes mais lúcido que qualquer um aqui.

Vi uma entrevista sua em que comentava o fato de Sean Lennon, filho de John & Yoko, ser seu fã. Ele disse que uma vez, ao conhecer o DJ filho do beatle fora perguntado: “O que você ouve? O que te inspirou a fazer uma música dessas?”. Tom Zé respondeu com simplicidade e doçura: “Seu pai, idiota”. Tenho seu livro publicado pela PubliFolha, Tropicalista Lenta Luta, que é uma compilação de artigos e letras. Também assisti seu documentário, Fabricando Tom Zé. Recomendo ambos. Como todo nordestino, seu sorriso é fácil, tão fácil quanto sua ira. Depois de ver o filme, me senti quase íntimo.

Tom Zé fala em “estética do plágio”. Depois de milhares de anos de história, a verdade é que ninguém mais consegue ser único. Não se inventa mais nada. Tudo é cópia. É plágio. É uma repetição do avesso, travestida de inovação brilhante. E não falo só de arte não. Ninguém está sozinho, ainda que esteja só. E aí, andando de carro pela madrugada de segunda-feira ouço Tom Zé no meu ouvido. “Na vida quem perde o telhado / Em troca recebe as estrelas / Pra rimar até se afogar / E de soluço em soluço esperar / O sol que sobe na cama / E acende o lençol / Só lhe chamando / Solicitando”. Dei risada sozinho, quase emocionado. Deitei e dormi.

Estar sozinho é doce também. “Que poeira leve”, diria Tom Zé. É assim que me sinto hoje. Leve e só. Docemente. A solidão veio acalmar a minha amargura. “O telefone chamou, foi engano...”. Eu bem gosto assim. Solidão, olhe, pode entrar que a casa é sua.


sábado, 17 de julho de 2010

Capricha na limpeza, Bruno

Meu quarto é uma baita bagunça. Tenho que ouvir minha mãe reclamar diariamente dele. “Quando você vai limpar essas prateleiras de livro?” ou “Quando você vai arrumar essa bagunça da mesa?”. Sempre marco uma data, mas ela nunca chega.  Minha mãe sabe disso, mas mantém a esperança. Aí você pensa: “Um cara velho assim levando bronca da mãe pra arrumar o quarto”. É sim, e daí, meu caro?

Morei sozinho durante quatro anos. Só quem passou por isso sabe da dor e da delícia de viver assim. Fui morar em Araraquara aos 18 anos sem saber fritar um ovo, sem saber lavar uma privada. Confesso que serviço doméstico é meu fraco. No primeiro ano de faculdade dividia a casa com um amigo que era excelente cozinheiro, o Bento. Rolava até uma feijoada às vezes. Nossos amigos riam da gente porque cada um era responsável por cozinhar um dia. Na vez dele tinha sempre feijão, uma carne suculenta, até strogonoff o safado fazia. Já na minha vez ele dava graças a deus quando rolava um macarrão com salsicha. Quando estava duro o prato era ovo com farinha, uma iguaria nordestina que aprendi com minha ex-sogra. Provocava gases. Aos poucos o Bento foi deixando de almoçar em casa nos dias em que eu cozinhava. Não entendo o motivo.

Quando o assunto era limpeza não havia tanta discrepância entre nós dois. Nenhum de nós gostava muito de faxina. Na verdade só reconhecíamos a necessidade dela depois de matar a terceira barata da semana. È nojento mesmo, pode falar. Quando o negócio beirava o insuportável, resolvemos contratar uma faxineira, a Dona Rita. Como odeio aquela mulher. Ela fazia faxina uma vez por semana, se eu não me engano. Deixava tudo lindo e cheiroso. Mas a desgraçada chegava às 10 da manhã e nos acordava com seus baldes e sua cara de poucos amigos. Dona Rita é do tipo de mulher que não mede as palavras, não tinha medo de pôr em risco seu bico de faxineira da kitchenet azul – cada uma tinha uma cor, uma espécie de personalidade - naquele bucólico bairro de estudantes preguiçosos. Ela não entendia que o pessoal economizava o dinheiro da balada pra pagar pelos seus serviços. Era um grande esforço que se fazia. Falava na nossa cara que a gente era porco, imagina só. Brigava se a gente a recebesse de cueca. Era quase nossa mãe baixando ali, em território inimigo. Que raiva que dava! Dona Rita só conquistou a galera quando levou sua sobrinha de 17 anos pra ajudá-la no serviço. Ainda hoje ela deve estar lá tocando o terror nos calouros de Araraquara.

Voltar a morar com meus pais não foi lá tão traumatizante. Se bem que ir é mais fácil que voltar. Sai cedo de casa e acabei voltando cedo também. Agora tenho que seguir os padrões. Há um ano e meio estou em processo de adaptação. Juro que semana que vem limpo as prateleiras e até minhas férias acabarem reorganizo meus papéis de cima da mesa. Ah, e prometo sempre pendurar minha toalha no varal também. Tenho saudades daqueles anos imundos.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Férias de inverno

O inverno é a melhor estação do ano. Desde criança, gosto muito mais das férias de julho que as de verão. Acho que nem sei explicar o motivo. Lembro só de algumas passagens da minha infância. Sou um cara de memória curta, mas esse blogue é um exercício intelectual e serve exatamente pra que eu me esforce em lembrar.

Nos meses de junho, ainda na escola, notava a proximidade das férias pelo frio que fazia de manhã. Era difícil levantar. Sair debaixo do edredom numa manhã fria é um desafio homérico pra mim. Eu gosto de dormir de manhã. Lembro da minha professora da 3ª série anunciar durante uma manhã gelada do Ipiranga: “Ainda bem que as férias estão chegando, está muito frio, é muito difícil levantar cedo nessa época do ano”. Acho que nessa frase a danada me conquistou. Hoje sei que um professor conquista um aluno em pequenas frases como essa. Se bem que nem me lembro do nome dela. Lembro bem do seu rosto e da raiva que senti quando me mandou pra diretoria só porque eu puxava as alças dos sutiãs das meninas para trás e soltava como se fosse um elástico.  O troço estralava nas costas da pobrezinha e eu morria de rir. Ficava puto. Quem usa sutiã na 3ª série? Nem projeto de seios elas tinham ainda. Fui pra diretoria com meu amigo Thiago, que praticava essa barbaridade comigo, não lembro o que aconteceu depois.

Chegavam as férias e eu tinha duas opções. Dificilmente ficava em São Paulo. Minhas opções eram Campos do Jordão, onde temos uma casa, e São Vicente, na casa dos meus avós. Gostava mais da segunda opção, mas no inverno a família sempre escolhia a primeira. Na verdade eu não tinha duas opções, iria pra onde me levassem, oras. Confesso que gostava mais da casa da minha avó, porque lá tinha meus amigos de rua, meu timinho de futebol e a menina que eu era apaixonado. Em Campos do Jordão eu era mais sozinho. Normalmente meu irmão levava um amigo dele e eu tentava acompanhá-los. Na verdade, minha infância se baseia em tentar sempre acompanhar meu irmão. E até certo ponto me orgulho disso.

Nas férias de inverno minhas atividades eram um pouco mais limitadas que nas de verão. Lembro que uma das coisas que eu mais gostava era de desbravar o mato da região. Ia com meu primo ou com meu irmão até um lugar onde havia um resquício de mata, aquela vegetação de araucária, homogênea e repetitiva, ou pra catar pinhão, iguaria que aprecio, ou pelo simples prazer de se embrenhar no mato. Eu era quase um bandeirante em busca do Eldorado. Eu era um capitão do mato caçando um escravo fujão. Eu era o próprio Tarzan, o próprio Mogli. É o mais perto que eu consegui chegar de tudo isso.

Antes de construirmos a casa, ficávamos em um igloo (iglu, em português), mas eu detestava aquela casinha fria de gesso. Gostava mesmo do restaurante que tinha lá. Serviam um frango à passarinho que, de lembrar, me deu água na boca. Gozado a gente lembrar dos lugares e sentir o gosto da comida de lá. Adorava também a mesa de sinuca. Nunca fui bom nesse diabo desse jogo, mas me divertia. Meu pai se achava o rei da sinuca e ficava horas ensinando a gente a jogar. Eu sempre perdia e meu irmão sempre tirava um sarro. Ficava puto. Nunca gostei de perder, mas aos 23 anos já me acostumei com a idéia.

Aí cresci um pouco com o passar do tempo. Campos do Jordão já tinha outro sabor na minha adolescência. Lembro da minha primeira madrugada sem meus pais na rua. Foi lá. Eu, meu irmão e um amigo andando pela cidade de skate (na maioria do tempo, de skate debaixo do braço). Eles, pela primeira vez, me levaram junto. Acho que assim começou minha adolescência. Sei lá, não sei se é normal escolher um marco pra uma mudança de fase na vida, como se fosse o chefão de uma fase de videogame. Se for normal, aquela madrugada foi o chefão. Na manhã seguinte acordei adolescente. Estava pronto pra me tornar mais um babaca com o rosto recheado de acne.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Intérprete

Eu gosto de falar de música. Eu já até tentei ser músico, sabia? Não deu certo e acho que não poderia mesmo dar. Levei a sério demais a coisa. Estudava música, mas nem sempre a sentia. Tive algumas bandas, toquei teclado, banquei o compositor, o sentimental. Não era pra dar certo. Acho que não fazia pela música, fazia por mim. Talvez fosse uma mistura de diversão adolescente com coisa de ego, sei lá. Troquei o palco pela sala de aula. Acho que era o que devia ter feito mesmo.

Assistindo ao programa Zoombido, aquele do Paulinho Moska no Canal Brasil, ouvi a Maria Gadú definindo música como “simbiose dos sentidos”. Achei aquilo tão legal. Lembrei de uma amiga que “sofre” de sinestesia. Sente o cheiro, a imagem e até a textura da música. Coisa louca. Minha nova diversão é escolher uma música no som do carro e perguntar a ela o que sente. Ouvi coisas incríveis. Consegui até entender melhor algumas músicas que pra mim tinham um sentido um pouco esparso. Ela sempre me oferece uma visão diferente de uma música que eu gosto. Cutuca minha imaginação. Se eu tivesse esses sentidos tão aflorados talvez tivesse conseguido ser músico de verdade. Ou pelo menos compreendido melhor aquilo que tentava fazer, sei lá.

Música é interpretação? Claro que é. Mas o que não é interpretação, pô? Interpretamos música, interpretamos as nossas relações pessoais, interpretamos a vida. Existe até uma teoria sociológica que aponta o indivíduo como intérprete de seu papel social. Coisa da sociologia norte-americana, não gosto muito, mas faz um sentido danado. Interpretar é fornecer significado, e isso cada um faz de um jeito. Eu interpreto uma música, um olhar, uma frase da maneira como eu quiser. Não existe uma verdade. Somos intérpretes da vida, ou não somos? A gente interpreta a vida, mas também interpreta para a vida. Modéstia a parte, tenho feito o segundo com exímia competência.

Droga. Jurei que esse texto ia falar de música. Acho que a música foi o pretexto pra falar de mim. Assim é mais fácil, não preciso falar com todas as letras o que penso de mim mesmo. Eu gosto mesmo é de deixar tudo aberto, livre para os intérpretes que gastaram seu tempo lendo. Ficamos assim. Interprete isso como quiser.


sábado, 10 de julho de 2010

A cor de São Paulo

Gosto da cor de São Paulo, especialmente a noite. Acho que gosto das luzes. Não falo do cinza, porque não a vejo só cinza. Nasci lá, em um hospital na Vila Mariana, que não me lembro o nome. Morei no Ipiranga até os 11 anos de idade, onde, portanto, vivi minha infância. Lembro de tudo pela janela do carro. Infância paulistana é assim, especialmente em famílias como a minha. Conheço cada cantinho do playground, da quadra e da piscina do edifício em que morei, mas a cidade mesmo só conheço da janela do carro.

O ar de São Paulo é o ar do meu apartamento na Rua Saioá, uma atravessa da Rua Vergueiro, perto de onde hoje é a estação Imigrantes. Aos finais de semana vinhamos a São Vicente, à casa dos meus avós. Os lugares que freqüentava em São Paulo, além do meu prédio e da escola, se restringiam a alguns shoppings e outros lugares que, no entanto, marcaram minha infância. Um deles é a Rua 25 de Março, a rua que fazia minha mãe sorrir de uma forma única. Quando era Natal, ou quando sobrava um dinheirinho, íamos almoçar no Mercado Municipal e depois fazer compras na 25. Às vezes íamos de ônibus, porque é difícil estacionar lá, o que pra mim era uma grande aventura.

Eventualmente não descíamos a Serra em algum fim de semana. Especialmente quando era inverno. Aos sábados ou domingos íamos a Praça de República, onde aprendi a gostar de Acarajé e de Tempurá. Era legal. Uma passada na Galeria do Rock e um almoço na praça. Havia uma feira de artesanato pra divertir minha mãe, cerveja pra divertir meu pai e música pra divertir a mim e meu irmão. Um dia vi um cara sendo esfaqueado lá. Eu tinha 9 anos, nunca mais esqueci.

Gostava de ir ao Parque do Ibirapuera também, tínhamos um cachorro preto e branco. Eu andava de patins e corria atrás dele. Às vezes alugava uma bicicleta e fugia da minha mãe. O Ibirapuera pra mim era mais legal que praia. Pena que não vendia raspadinha de groselha. O Museu do Ipiranga também era um lugar incrível pra mim. Me impressionava pela exuberância, mas fazia parte da minha paisagem cotidiana. Morava e estudava bem perto dele. Lá dei meu primeiro beijo.

Hoje ando por São Paulo fascinado e irritado. Mais fascinado que irritado. Em finais de semana ou feriados, como ontem, não ligo de me perder ou de atravessar a pé toda a Avenida Paulista. Gosto do vento cortando o rosto, silencioso. Acho legal ser um paulistano que tenta descobrir São Paulo, um turista. Tenho um misto de inveja e pena do paulistano. Um dia volto pra lá. Mas só um dia.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Feliz Ano Velho

A gente às vezes comete algumas cagadas na vida. Minha vida é cheia delas, assim como a sua. Em Feliz Ano Velho, Marcelo Rubens Paiva conta sua história,  sua grande cagada. Como alguém em estado de loucura (não me lembro se maconha ou álcool, ou se os dois) pula em um rio sem saber a profundidade? E pula fazendo a pose o Tio Patinhas? A morte chega tão perto, assim, num salto babaca.Que fragilidade!

O livro é sensacional. É mais um daqueles que eu devia ter lido aos 15 anos, mas não li, talvez porque estava ocupado demais em ler o que os meninos da minha idade não liam. Ou estava no icq mesmo. Bom, então li aos 23. Aos 23 anos de idade é legal ler uma  autobiografia dessas. Ele tinha minha idade quando ficou paraplégico. Como o Marcelo conseguia ser tão legal, tão jovem, tão confiante ali na cama de hosítal, sem saber se voltaria (e não voltou) a andar um dia?Parece que ele viveu intensamente tudo o que tinha pra viver antes do acidente (ou da cagada). Penso se eu vivi também.

Não é um texto pra se pensar na morte. O livro me questiona o tempo tudo. Me coloca na parede diante da história de vida do autor. É sincero demais pra minha cabeça. Às vezes chega a incomodar. Mas é tão doce de ler que invejo a simplicidade de como é escrito. Observe:
De que vale a eternidade? Um orgasmo dura poucos segundos. A vida dura poucos segundos. A história se fará com ou sem a sua presença. A morte é apenas um grande sonho sem despertador para interromper. Não sentirá dor, medo, solidão. Não sentirá nada, o que é ótimo. O sol continuará nascendo. A terra se fertilizará com o seu corpo. Suas fotografias amarelarão nos álbuns de família. (PAIVA, Marcelo R. , p. 64, 1982).
Eu queria escrever como ele. Ou melhor, queria saber viver como ele. 
  

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Sobre o título do blogue

“Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha”. Assim escreveu Chico Buarque em 1968. Não, o título deste blogue não é criação minha. É uma citação de um dos artistas mais completos desse país. Aliás, Chico Buarque tem uma coisa única, pelo menos no meu ponto de vista, ele nos torna íntimos de suas músicas. A gente ouve e ela passa a parecer nossa, e fica imaginando em qual momento da nossa vida aquela música se encaixa melhor. É engraçado pensar que ouvia músicas que achava linda, mas que não tinham a ver com o que vivia, não se adaptavam àquele momento. Um tempo depois, olha só, estou vivendo aquela música. Um barato. 

Ouvi Chico pela primeira com uns 10 anos de idade. Pelo menos essa é a primeira lembrança que eu tenho. Meus pais tinham uma coleção de quatro CDs, uma coletânea: O Malandro, O Trovador, O Romântico e O Político. É sensacional. Claro que não ouvíamos com tanta freqüência. Eu e meu irmão éramos adolescentes e ouvíamos rock a valer. Mas algumas músicas daquelas já me chamavam a atenção. Já no ensino médio, meu interesse por política me levou até a estante de CDs. Sentia a sensação de estar em 1968. Sentia inveja daquela geração. Cálice, Acorda Amor, Deus lhe pague, Apesar de você. Aquilo me encantou. Mergulhei no Chico e quis ouvir todo resto da coleção. Fui deixando o rock meio de lado, e nem era para parecer mais inteligente, juro.

A frase citada é de um artigo publicado em 1968 no jornal Última Hora. Nele Chico faz um questionamento da real necessidade de inovar a MPB, como se a única forma de se criar uma coisa nova fosse romper completamente com a velha. Chico ainda fazia samba, num momento em que a Tropicália e a guitarra elétrica abalavam as estruturas da cultura brasileira. Por isso a frase. Segundo Chico, “é certo que se deve romper com as estruturas. Mas a música brasileira, ao contrário de outras artes, já traz dentro de si os elementos de renovação” (1968). Assim, Chico Buarque poderia ser lúcido sem precisar ser velho. Não precisava de uma guitarra pra ser único.


Ora, não é esse o sentimento da minha geração? É preciso ser louco pra ser brilhante? Minha lucidez não é velha, estou convicto. Minha loucura talvez seja. A primeira parte da citação sempre me pareceu óbvia. Ao longo da história, muitos gênios foram, por engano, chamados de loucos. Mas o erro hoje se comete às avessas: muitos loucos são chamados de gênio. Prezo pela minha lucidez, portanto. Nem toda lucidez é velha, meus amigos.


"Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha".

terça-feira, 6 de julho de 2010

Por que eu criei esse blogue?

Eu gosto de ler mais do que de escrever. Uso a escrita pra bancar o inteligente, nada mais. Minha oratória é um lixo: invariavelmente gaguejo e cuspo nas pessoas, mesmo as mais íntimas. A minha dicção é péssima, às vezes não abro a boca pra falar. Como me tornei professor? Às vezes fico na duvida se os alunos entendem o que falo, às vezes tenho certeza de que não entendem. Quando estou de mau humor – o que pode ser tão constante quanto ocasional – falo pra dentro, como se quisesse esconder do mundo a minha voz, pura pirraça. Esse blogue vai me ajudar a parecer inteligente, bem articulado. Tipo: “Amigo novo, não fale comigo, leia meu blogue”.

Na verdade, não é só isso. Meu irmão queria que eu fizesse um. Acho que era pra me comunicar com meus alunos, criar uma ferramenta interessante de trabalho pedagógico. Ele me convenceu. Prometo fazê-lo, mas antes preciso de um blogue egoísta, que fale de mim, ou pelo menos que pareça falar de mim. Os alunos podem esperar, aliás, eles não estão esperando por nada mesmo. Esse blogue é uma influência do meu irmão. Tipo: “Bruno, se espelhe no seu irmão que serás um cara legal”.

Mas também não é só. Estou de férias, o que parece ótimo, mas me transforma num vegetal insônico. Blogue é passatempo também. Tipo: “Vou falar umas bobagens pra três ou quatro amigos inúteis, só pra me distrair”.

Por fim, tem outro motivo. Esse blogue tem a ver com a (re)construção de uma identidade. Quem me conhece mais ou menos, como quase todos que me conhecem, sabe que não falo de mim. Não é por timidez, é porque não sei falar mesmo. Então vou tentar escrever. Se não der certo, tento um psiquiatra. Recebi boas indicações de um amigo, que diz que a sua relação com o terapeuta é a mais duradoura de todas as suas relações pessoais. Achei engraçado. Mas por enquanto vou tentar um blogue mesmo. Tipo: “Dr. Blogue – Terapeuta do autoconhecimento”.

Chega. Me disseram que um blogue deve ter textos curtos.