Escrever exige
mais que vontade de se expressar. Exige tempo, transpiração. É como sexo. O
desejo por si só não é o suficiente. É como casar-se, amar alguém. Não basta amar. Não basta estar. Frio na
barriga.
A vida voa
numa velocidade além do meu pensamento, aquém do meu sentimento. Há um ano
casei-me. Com tudo. Festa, bolo e brigadeiro. Padre, padrinho e padrão. Terno,
gravata e all-star preto. Noiva linda e sogro chorão (lembrei-me da cena e fiz
uma rima). Casei-me, como queria e queria-se. Papel passado. Preto no branco.
Aliança no anelar esquerdo. Apartamento, tinta, móveis, mudança, financiamento,
carro, dívida, água, luz, telefone, internet, tv a cabo, iptu, ipva, imposto de
renda, c&a, cartão de crédito, consignado, domingo na casa da sogra,
trabalho, máquina de lavar, louça suja, visita inesperada, toalha molhada na
cama. Casei-me.
Daquele dia
vinte e cinco me lembro de tudo. Descobri que a memória, que muitas vezes me
engana, pode ser substituída por algumas parcelas de R$200,00 gastas com
fotógrafos e caras que fazem vídeos. Desses de casamento mesmo. Lembro-me da
dor de barriga. Da espera. Da lágrima. De todas elas. Lembro do olhar. Daquela
flor branca no cabelo. O sorriso fácil. Sua voz trêmula. Minha voz muda. As
vozes de dois corações agoniados e felizes. Frio na barriga. Calor de novembro.
Sensação de começar a vida, de nascer, de ser um par. Amor.
O amor é um
rio cheio de meandros e afluentes, poucas cachoeiras. O curso d’água costuma ser
lento, o que favorece a navegação. O leito é largo, se o amor é profundo. Da
nascente brota água cristalina, enquanto em seu médio curso desce água um pouco
turva, mas potável, boa de beber bem gelada. Evito bebê-la morna. Em tempos de
chuva transborda amor. Inunda as margens. Periga até dar enchente. Em tempos de
seca sobra um fio d’água que dá dó de ver. O barulho das águas no casco. O
barulho das águas nas pedras. O pior do amor não é o barulho, é o silêncio. O
silêncio é foz. O amor é um rio sem foz. Um delta infinito. Um porto.