terça-feira, 14 de setembro de 2010

Chofer de Caminhão


Eu juro que pretendo manter esse blogue aceso. Fico pensando no que escrever, mas meus pensamentos acabam tangendo aquilo que não posso expressar livremente aqui. Alguns alunos lêem isso aqui. Sabe, isso é um problema pra mim. Eu me sinto reprimido, nem posso escrever muito palavrão ou falar mal deles.

Em um dia ensolarado como hoje, depois de sete aulas de manhã e uma à tarde, uma fome descomunal e a cabeça pesada de tanto pensar seria bom poder ofender pelo menos a metade deles. Não vou fazer isso. Pelo menos não hoje. Esse texto é pra falar de um dia assim. A cabeça cansada e o corpo doendo. Alguém me disse uma vez que o trabalho enobrece o homem. Baita mentira. Olhei no espelho agora pouco, assim que cheguei em casa, lembrei do meu rosto de três ou quatro anos atrás e pensei: “O trabalho envelhece o homem, isso sim”. Estou cansado. Perguntei a um colega quantos anos faltam pra minha aposentadoria. Ele riu e não me respondeu. Acho melhor assim, mais confortante. 


Aí nesses dias em que eu quero jogar tudo pro alto eu me lembro de uns anos atrás quando não tinha conta pra pagar e tinha tempo pro ócio. Deveria ter feito um blogue naquela época. Eu teria tempo pra pensar em mil textos, em várias crônicas, várias piadas, ia escrever muita besteira. Eu teria tanto tempo que me tornaria um romancista. Eu escreveria a história de um homem de quarenta anos, de classe média, que abandona sua profissão de advogado, sua mulher fútil e siliconada, seus filhos egoístas e pervertidos pra se tornar chofer de caminhão. Ele gasta as economias da família em um caminhão Volvo daqueles bem grandões. Um homem brilhante que é meu personagem, largou tudo e caiu na estrada. Eu sempre admirei os caminhoneiros. Quando criança gostava de acenar pra eles nas viagens. Eu esticava o pescoço pra ver como era vida dentro da boléia. Era louco pra subir em um caminhão. Minha mãe dizia que eles moravam lá dentro, só voltavam pra casa de vez em quando. Eu pensava que se tivesse um caminhão grandão daqueles nunca mais voltaria pra casa. O personagem do meu romance, que nunca escrevi (e nem vou escrever), também nunca voltou pra casa, mas nem por isso foi mais feliz.

Lembrei agora da música do Caetano, aquela que o Los Hermanos gravou no filme Lisbela e o Prisioneiro. Eles cantam: “Eu quero a sorte de um chofer de caminhão / pra me danar por essa estrada / mundo afora ir embora / sem sair do meu lugar”. Linda trilha musical de um filme mais ou menos. Eu conheci um grande caminhoneiro. Desses que faz isso há mais de vinte anos. Parece que ele não levava a vida que eu imaginava quando acenava da janela do carro do meu pai. Ou quando assistia Carga Pesada na Rede Globo. Não, eu não quero ser chofer de caminhão. Queria apenas me danar por essa estrada, só isso. Acho que não agüento a solidão de uma boléia. Na verdade não agüento nem a solidão do meu quarto.

PS: Encontrei a frase que meu personagem vai escrever em seu caminhão






sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Cabeça de Tigela

Quando eu era criança meu irmão me chamava de cabeça de tigela. Sempre que saia do cabeleireiro na Rua Vergueiro, bairro do Ipiranga, eu era obrigado a ir até em casa ouvindo suas gracinhas. Aquilo me enfurecia. Meu cabelo, sempre liso, ficava em um formato perfeitamente igual ao de uma tigela ou de um penico. Como se alguém tivesse colocado um penico na minha cabeça e raspado tudo em volta. Um horror! Meu irmão tinha razão e a culpa era toda da minha mãe e daquele cabeleireiro que não me lembro o nome, talvez ela se lembre, preciso perguntar. Ao terminar seu serviço, sempre dizia alguma coisa tipo: “prontinho, agora já tá pronto pra arranjar uma namorada”. Mentira, com aquele cabelo não ia arranjar nunca!

Eu cresci e meu cabelo se transformou em uma das minhas maiores fontes de inquietudes. Eu realmente não sei o que fazer com ele. Tive algumas idéias ao longo da minha adolescência. Lembro de que quando me mudei de São Paulo pra cá achei que tinha que ter o cabelo dos locais. Pronto, mais um horror. Eu achava que tinha que ter cabelo de maloqueiro só porque morava em São Vicente, onde o tipo é bem comum. Olha só, que preconceito. Fiz uma das maiores cagadas nos meus pobres cabelinhos. Prefiro nem descrever como ficou. Estive careca, com uns desenhos tribais feitos artesanalmente com uma navalha. Eu tinha 11 anos, queria ser igual aos meus amigos vicentinos, e, com aquele cabelo esquisito, acabei jogando minha dignidade na vala da Náutica III.

Logo o cabelo cresceu e voltou a parecer um penico. Aos 13 anos arranjei minha primeira namorada na escola. Coisa séria, de andar de mãos dadas, conhecer os pais e tudo. Ou quase tudo. Em quatro ou cinco meses ela me deu um pé na bunda. Fiquei revoltadíssimo. Não pensei duas vezes e raspei a cabeça, às vésperas de ir ao Rock in Rio. Não satisfeito, enquanto o cabelo crescia de uma forma irregular tive a brilhante idéia de colori-lo. A idéia inicial era pintar de verde, claro. Lembro que estava em Campos do Jordão, tentando descolorir meu cabelo primeiro para depois tingi-lo. O clima estava chuvoso e frio e tive que ficar com a cabeça quase enfiada em um aquecedor elétrico pra ver se descoloria aquela joça. Enfim, meu cabelo ficou laranja, com umas manchas esverdeadas e umas mexas loiríssimas. Aquilo sim foi uma grande cagada. Por conta disso, adotei a prática de usar boné o dia todo, até aquela bosta crescer definitivamente, já aos 14 ou 15 anos. 

Fui ser careca novamente, e pela última vez, só quando passei no vestibular. Fizemos um churrasco na casa da minha vó, e todos da festa, um a um, deram uma tesourada nas minhas madeixas. Meu cabelo até estava bonito àquelas alturas. Pelo menos eu estava satisfeito com ele, caindo sobre os olhos e com curvas para todas as direções nas partes de trás. Combinava comigo. Entrei na faculdade careca por conta do trote no churrasco, sai calvo por conta de queda capilar. Envelhecimento, eu acho.

Hoje em dia ainda odeio cortar o cabelo. Eu me sinto ridículo com o cabelo curto, meus alunos percebem a ridicularidade e obviamente me sacaneiam, mas mesmo assim eu corto sempre curto demais. Eu não, aquele cabeleireiro do capeta. Fico com cara de criança. A mesma cara de quando cortava o cabelo lá na Rua Vergueiro. Sempre ganho vários apelidos, que não cabem aqui para não estimular o bullying ao professor. Um aluno hoje me disse que pareço uma criança velha. Adoro a criatividade discente. Odeio esse corte de cabelo maldito.