terça-feira, 10 de maio de 2011

Cansados das canseiras da vida

Bom quando encontro um tempo assim, entre uma aula e outra, uma prova e outra, uma dor de cabeça e outra. Muito bom quando ganho de presente uns cinco minutos de ócio. Dá até pra ler um jornal, passar o olho na televisão, telefonar pra namorada. Esse dia-dia é coisa de louco, correndo, correndo, correndo. Não desacelero nem dormindo, às vezes. É comum também não conseguir dormir na primeira tentativa. É comum amanhecer e abrir os olhos pensando que ainda é o mesmo dia anterior.

Eu me peguei pensando no que eu faço nesses intervalos, nessas horas de desaceleração. Acho o ócio muito produtivo. Aprendo muito com ele. Por exemplo, semana passada eu estava com uma janela. Espere, para quem não sabe, janela é o nome que professores atribuem para as aulas livres que se tem ao longo de um período. Na verdade não era uma simples janela. Era um portal de três horas entre uma aula de filosofia num segundo e primeiro ano. Sem saco para corrigir atividades e sem concentração para preparar uma aula, comecei a caminhar olhando as estantes da pequena biblioteca da escola em que trabalho a noite. Entre uma surpresa e outra, me deparei com uma prateleira só de poesia. Folheei Alves, Bandeira, Andrade. Distraído, me deparei com uma fotobiografia de Drummond. Está aí um poeta pelo qual me interessei de verdade. Fotos da sua vida, cartas. Fotos do poeta na escola, com colegas, professor, seus boletins. Achei linda uma foto do poeta bem velhinho, segurando um crucifixo de marfim na nas mãos. Li três ou quatro poemas famosos. E uma poesia que me valeu a noite:
O professor disserta
Sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme,
Cansado das canseiras da vida.
O professor vai sacudi-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O professor baixa a voz
Com medo de acordá-lo.


Passado as quase três horas o sinal estridente tocou, graças aos dedos gordos da diretora. Tocou num tom assustadoramente estridente, assim como para mim foram estridentes as palavras de Drummond. Fiz chamada e olhei para os rostos de meus alunos. Cansados das canseiras da vida. Escrevi esse poema na lousa e me sentei. Senti compaixão, como eles jamais sentirão por mim.