- Quem aguenta esse calor, hein?
Assim começou a conversa entre os dois
senhores na fila do banco. Perdão, não há mais filas em bancos. Os dois
senhores estavam sentados em cadeiras até que confortáveis, cada um com sua
senha nas mãos. A diferença entre a fila antiga e a senha é o conforto de
ficarmos sentados esperando o painel apitar nosso número. Mas acho que a fila
antiga, aquela em que ficamos em pé fazendo um lento zigue-zague na agência, um
atrás do outro, era um tanto mais interessante. As pessoas conversavam mais.
Esse negócio de senha faz com que cada um se sente em uma parte do recinto,
quase não há conversa. A pessoa que está ao seu lado esquerdo, ou direito, ou a
sua frente, não é necessariamente aquela que será atendida imediatamente antes
de você. Aí não tem nem graça puxar conversa. Não dá pra calcular o quanto ela
pode durar, porque ela não vai durar todos os quarenta minutos que você tem pra
gastar ali. Quando surge um assunto: PIM-POM, seu interlecutor se levanta e
você não ouve o fim da história que ele contava.
Os dois senhores falavam sobre o tempo,
cada vez mais louco. Na semana passada era fim de Primavera, mas fazia um frio
descabido. Nesta semana, um senhor Sol. - Só porque é Segunda-feira o Sol
aparece, chega sexta vem chuva, disse um deles. A conversa se estendeu. O
segundo tema em pauta era a qualidade dos serviços prestados pelo banco. Esse
tema é típico também. - Esses caras já não respeitam mais seus clientes. Não me
lembro de ter sido respeitado um dia. Aliás, com a grana que eu dou de juros do
meu cheque especial eu deveria ser tratado como celebridade no banco. Que nem o
Casal Unibanco, se lembra? Deviam me servir um café. Um capuccino. O gerente
saberia meu nome, ou falaria comigo olhando pra mim, e não pra tela do
computador. Eu, no lugar dele, também não teria coragem de dar notícia ruim
olhando nos olhos. Pior que isso, só médico de UTI. A conversa se estendeu e
eles começaram a falar de futebol.
- Não dá pro Santos jogar recuado contra o
Barcelona, pô. Os senhores concordaram sorridentes. E fizeram uma análise da
escalação do time. Compararam jogadores de décadas passadas, discutiram
empolgadamente a lealdade dos jogadores aos clubes. - Cadê o amor à camisa?
Concordavam em quase tudo. Lembraram do Flamengo de 81, do São Paulo de 92, do
Santos de 63. Os dois senhores conversavam como velhos amigos, como uma fresta
de bem-estar que entre pela janela quase fechada daquela segunda-feira quente.
Sequer perguntaram seus nomes. Esqueceram do juros que vieram pagar. PIM-POM.
- Foi muito bom conversar com o senhor. Até
mais ver.
Um amigo disse que a senha pode ser uma
aliada em algumas horas. Quando ele entra no banco aperta duas vezes o batão e
a maquininha imprime duas senhas. Uma é dele. A outra ele vai entregar pra
primeira menina bonita que entrar no banco desacompanhada. Vai sentar ao lado
da mça e puxar assunto. Talvez sobre o tempo, ou sobre a péssima qualidade dos
serviços bancários. Assim ele terá assunto, xaveco na verdade, para aqueles
longos minutos. E mais, saberá quando a conversa vai ser interrompida pelo
aparelho que apita a próxima senha.