sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Boa Noite!

“Eu às vezes fico a pensar
Em outra vida ou lugar
Estou cansado demais
Eu não tenho tempo de ter
O tempo livre de ser
De nada ter que fazer”

Esse é um trecho da música do Marcos Valle, um compositor que fez algum sucesso nos anos setenta. O nome dela é Capitão da Indústria. Eu conheço a versão dos Paralamas do Sucesso, do disco “Hey, na, na”, de 1998. Tinha eu onze pra doze anos. Dizia que a música falava sobre meu pai, sobre um cara que trabalha demais, que não tem tempo pra si.

Esta noite estava voltando da escola em que dou aula, mais de onze horas, e essa música tocou no som do carro. Lembrei do meu pai. Senti o cansaço doer nas costas. Senti falta desse tempo de ter, do tempo livre de ser, ao qual a música se refere. Lembrei também da minha adolescência ociosa. Pensei nas coisas que deixei de fazer por falta de tempo. E nas que deixei de fazer só por deixar mesmo. Senti uma pontada de dor no ombro direito – dor de professor que usa muito a lousa - e segui dirigindo, apenas com a mão esquerda no volante.

Voltei pensando no que faria se tivesse uma semana completa sem nada pra fazer. Pensei numa viagem sensacional, mas esbarrei na falta de dinheiro. Liguei pra minha namorada, fui até a casa dela, e logo estávamos lá: dois cansados. Sem muita força sequer pra conversar. O olhar sonolento só lamentava a falta de tempo livre, mais tempo pra si e pro outro. Falamos sobre o sábado, sobre o fim de semana. Essa é a única forma de nos sentirmos menos piores: trabalhar muito para que o sábado chegue logo. Fizemos algum plano. E já não tínhamos maiores expectativas sobre a noite senão o sono.

Segui para minha casa. Ainda pensando no que faria se tivesse um mês sem nada pra fazer. Pensei nas férias. Pensei em uma viagem pro Rio de Janeiro. Pensei nas aulas de amanhã cedo. Pensei no feriado do carnaval. Pensei no pagamento que não vai dar para todas as contas. Aí me cansei de pensar. Entrei em casa, tomei um suco de manga, dei dois dedos de prosa pros meus pais, escrevi esse texto e... Boa noite!



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Aquela pressinha

Eu acho graça quando estou indo embora e ela faz uma carinha triste, como quem pede pra que eu fique. Dá uma coisinha boa, sabe? Dá uma vontadezinha de ficar. Dá vontade de fingir que vou embora só pra ver aquela carinha. Às vezes se tem que ir mesmo, às vezes se vai e se arrepende. Como hoje. Como tantas noites. Nas noites em que se dorme sozinho tudo é pior. Se estiver frio, meu quarto vira o Alaska. Se estiver calor, ele vira o Saara. Não é possível dormir, não é possível pensar no trabalho, não é possível achar nada na internet e muito menos na TV. Não é possível não pensar nela.

Meu pai me disse: “É estranho esse negócio de vocês não conseguirem dar um passo separados”. Não é não, pai. Pra mim, estranho é conseguir. E eu tenho essa certeza nas noites em que me deito neste quarto. O olho no ventilador de teto, as mãos vazias. Sensação de vazio. É sozinho que pensamos nas coisas mais incríveis. É sozinho também que pensamos nas mais idiotas. E aí, numa noite quente e solitária, chego à conclusão de que sou completo. Como o vazio pode provar que sou completo? Isso é incrível ou idiota? Incrivelmente idiota.

Por isso, quando é hora de ir embora eu sempre fico um pouco mais. Ou fico até a manhã seguinte. Aquela carinha que me faz graça me mantém por perto. Gosto de dormir olhando pra ela, decorando seu rosto. Um amigo, não me lembro quem, mas algum amigo mais inteligente que eu, me disse uma vez que o amor está nas pequenas coisas. Ele tem razão. O amor não está nas grandes emoções, nos grandes acontecimentos. O amor está na rotina. O telefone que toca às quinze pras sete da manhã, pra dar bom dia. O almoço improvisado em uma pastelaria. Um beijo rápido antes de ir pra próxima escola. Até na briga está o amor. Aquela frase mal interpretada. Aquele ciúme que dá dor de barriga. Aquela preguiça de sair de casa, de acordar cedo. O amor está na falta de dinheiro, no sofá e na televisão. Está no caminho de casa, no beijo no ombro. Está na mão que segura firme, no olhar sereno. É aquela vontade de não trabalhar. Aquela coisa de não se importar com coisas sérias. Aquele strogonoff, aquele brigadeiro, aquele lanche da rua de trás. O amor é aquela pressinha.

Aquela pressa de viver ainda mais o que já se vive.



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Um texto antigo. Estou me esforçando pra voltar a escrever.