“Eu às vezes fico a pensar
Em outra vida ou lugar
Estou cansado demais
Em outra vida ou lugar
Estou cansado demais
Eu não tenho tempo de ter
O tempo livre de ser
O tempo livre de ser
De nada ter que fazer”
Esse é um trecho da música do Marcos Valle, um compositor que fez algum sucesso nos anos setenta. O nome dela é Capitão da Indústria. Eu conheço a versão dos Paralamas do Sucesso, do disco “Hey, na, na”, de 1998. Tinha eu onze pra doze anos. Dizia que a música falava sobre meu pai, sobre um cara que trabalha demais, que não tem tempo pra si.
Esta noite estava voltando da escola em que dou aula, mais de onze horas, e essa música tocou no som do carro. Lembrei do meu pai. Senti o cansaço doer nas costas. Senti falta desse tempo de ter, do tempo livre de ser, ao qual a música se refere. Lembrei também da minha adolescência ociosa. Pensei nas coisas que deixei de fazer por falta de tempo. E nas que deixei de fazer só por deixar mesmo. Senti uma pontada de dor no ombro direito – dor de professor que usa muito a lousa - e segui dirigindo, apenas com a mão esquerda no volante.
Voltei pensando no que faria se tivesse uma semana completa sem nada pra fazer. Pensei numa viagem sensacional, mas esbarrei na falta de dinheiro. Liguei pra minha namorada, fui até a casa dela, e logo estávamos lá: dois cansados. Sem muita força sequer pra conversar. O olhar sonolento só lamentava a falta de tempo livre, mais tempo pra si e pro outro. Falamos sobre o sábado, sobre o fim de semana. Essa é a única forma de nos sentirmos menos piores: trabalhar muito para que o sábado chegue logo. Fizemos algum plano. E já não tínhamos maiores expectativas sobre a noite senão o sono.