sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Cabeça de Tigela

Quando eu era criança meu irmão me chamava de cabeça de tigela. Sempre que saia do cabeleireiro na Rua Vergueiro, bairro do Ipiranga, eu era obrigado a ir até em casa ouvindo suas gracinhas. Aquilo me enfurecia. Meu cabelo, sempre liso, ficava em um formato perfeitamente igual ao de uma tigela ou de um penico. Como se alguém tivesse colocado um penico na minha cabeça e raspado tudo em volta. Um horror! Meu irmão tinha razão e a culpa era toda da minha mãe e daquele cabeleireiro que não me lembro o nome, talvez ela se lembre, preciso perguntar. Ao terminar seu serviço, sempre dizia alguma coisa tipo: “prontinho, agora já tá pronto pra arranjar uma namorada”. Mentira, com aquele cabelo não ia arranjar nunca!

Eu cresci e meu cabelo se transformou em uma das minhas maiores fontes de inquietudes. Eu realmente não sei o que fazer com ele. Tive algumas idéias ao longo da minha adolescência. Lembro de que quando me mudei de São Paulo pra cá achei que tinha que ter o cabelo dos locais. Pronto, mais um horror. Eu achava que tinha que ter cabelo de maloqueiro só porque morava em São Vicente, onde o tipo é bem comum. Olha só, que preconceito. Fiz uma das maiores cagadas nos meus pobres cabelinhos. Prefiro nem descrever como ficou. Estive careca, com uns desenhos tribais feitos artesanalmente com uma navalha. Eu tinha 11 anos, queria ser igual aos meus amigos vicentinos, e, com aquele cabelo esquisito, acabei jogando minha dignidade na vala da Náutica III.

Logo o cabelo cresceu e voltou a parecer um penico. Aos 13 anos arranjei minha primeira namorada na escola. Coisa séria, de andar de mãos dadas, conhecer os pais e tudo. Ou quase tudo. Em quatro ou cinco meses ela me deu um pé na bunda. Fiquei revoltadíssimo. Não pensei duas vezes e raspei a cabeça, às vésperas de ir ao Rock in Rio. Não satisfeito, enquanto o cabelo crescia de uma forma irregular tive a brilhante idéia de colori-lo. A idéia inicial era pintar de verde, claro. Lembro que estava em Campos do Jordão, tentando descolorir meu cabelo primeiro para depois tingi-lo. O clima estava chuvoso e frio e tive que ficar com a cabeça quase enfiada em um aquecedor elétrico pra ver se descoloria aquela joça. Enfim, meu cabelo ficou laranja, com umas manchas esverdeadas e umas mexas loiríssimas. Aquilo sim foi uma grande cagada. Por conta disso, adotei a prática de usar boné o dia todo, até aquela bosta crescer definitivamente, já aos 14 ou 15 anos. 

Fui ser careca novamente, e pela última vez, só quando passei no vestibular. Fizemos um churrasco na casa da minha vó, e todos da festa, um a um, deram uma tesourada nas minhas madeixas. Meu cabelo até estava bonito àquelas alturas. Pelo menos eu estava satisfeito com ele, caindo sobre os olhos e com curvas para todas as direções nas partes de trás. Combinava comigo. Entrei na faculdade careca por conta do trote no churrasco, sai calvo por conta de queda capilar. Envelhecimento, eu acho.

Hoje em dia ainda odeio cortar o cabelo. Eu me sinto ridículo com o cabelo curto, meus alunos percebem a ridicularidade e obviamente me sacaneiam, mas mesmo assim eu corto sempre curto demais. Eu não, aquele cabeleireiro do capeta. Fico com cara de criança. A mesma cara de quando cortava o cabelo lá na Rua Vergueiro. Sempre ganho vários apelidos, que não cabem aqui para não estimular o bullying ao professor. Um aluno hoje me disse que pareço uma criança velha. Adoro a criatividade discente. Odeio esse corte de cabelo maldito.


Um comentário:

  1. Mel, meu cunhhado querido. Deixa disso. começa a usar chapéu!
    E deixa dessa frescura de meninice! rsrs

    Você é lindo!
    .
    .
    menos quando corta o cabelo!

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