terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Fujam para as colinas

Era feriado na cidade. E esse mundo de exploração do trabalho só nos permite certas sensações em dias santos e comemorações cíveis. E era isso que eles buscavam, certas sensações. Não sabiam bem quais, mas pouco importava. O que valia mesmo era o tempo desperdiçado a três. Era pra desperdiçar o pouco tempo que tinham pra fugir de si próprios e encontrar uns nos outros o olhar terno que não nutrem mais por si. Era uma segunda-feira de muito sol. E era feriado na cidade.

Entraram no carro porque precisavam sair do olho do furacão. Mas havia furacão nenhum. Não era como se fugissem, porque realmente fugiam. Não era como se quisessem um esconderijo, porque realmente se escondiam. Também não era como se amassem, porque se amavam. Cada um a sua maneira, buscavam um motivo. Não sei bem do que fugiam, do que se escondiam. Nem eles sabiam. Sabiam que era feriado na cidade. E precisavam tentar fugir.

A primeira fugia do tédio de ter que ser quem não é. E se escondia da vivacidade de seus dezenove anos tomando um energético bem gelado. Buscava e dava muito amor, mas sempre sem querer. Ou quase sem querer. A segunda fugia das aflições da vida. E se escondia das grandes e pequenas transformações que o mundo lhe sugere diariamente. Ela avisou em um tom superprotetor: fujam para as colinas. Mas quem precisava mesmo fugir era ela. O terceiro era o único que sabia que fugia. Porque fugir era tão necessário quanto navegar. Não era preciso viver, era preciso fugir. Fugia dos seus erros e medos. Fugia da sua falta de coragem de fugir. E se escondia atrás das outras duas, como um bicho assustado que foge sem direção. Era feriado na cidade. E eles fugiam, cada uma do seu jeito, da solidão.

Mais uma cerveja, pra refrescar a cuca e rir de qualquer bobagem. Sentaram-se na porta de um convento do século XVI. Sentiram o sol bater na cara e a blusa molhada de suor. Discutiram a falsa moral e julgaram-se livres. Junk food. A praça da cidade. A igreja ao fundo. O céu azul com nuvens que formam estranhos desenhos. Indecifráveis desenhos, como são indecifráveis a natureza de cada um. Subiram a rampa. Desceram felizes. Caminharam na praia. Sujaram os pés na areia. Limparam na água. Sujaram de novo. Abraçaram-se. Terminaram o dia sem nenhuma certeza. Apenas de que era feriado na cidade. E que experimentaram algumas sensações que os feriados permitem experimentar. Sensações daqueles que fogem e não se perdem. De quem sabe voltar pra casa, mas não quer. 

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